quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

by Rodrigo Vieira


Quando ouço alguém falando mal de provas de arrancadas, sem ao menos procurar entender, eu não fico muito feliz. Então eu vejo uma foto como esta e esqueço de tudo isso e reparo na poesia que existe em nosso esporte.
Aqui, temos milhares de pessoas assistindo as provas. Elas amam arrancadas. São pessoas que poderiam estar fazendo milhares de coisas, mas não! Estão ali, pagaram seus ingressos e elas prestigiam o automobilismo, esporte semi-desencarnado no Brasil. Eu não gosto de futebol, graças a Deus. Estas pessoas passam frio, calor, menos chuva, pois São Pedro não gosta de arrancada. Diversas ritualísticas! Destas pessoas eu faço parte, por isso posso falar em primeira pessoa.
Desde o primeiro botão-caça aberto, até o botão do start, tudo é lindo. O cheiro é tóxico, e algumas pessoas pularam quando ouviram o motor ligar. As mães taparam os ouvidos das crianças e os futuros pilotos estão com os olhos vidrados naquele lindo carro. Aqui não temos miséria. Nossos motores nasceram para ter potência, querem muita octanagem. A garganta embolada do piloto é apenas um reflexo do excesso de adrenalina que neste momento habita todos as veias do corpo, que são aeroquipes naturais. O chão brilha, aqui é necessária muita aderência. Já ouviu falar em VHT? Esqueça.
Na arrancada o ritual é importante, desde o encaixe perfeito da porta. Aquela alavanca gigante ao seu lado, engata a marcha que será usada para esquentar os pneus. Sim, precisamos que tudo esteja na mais perfeita ordem. Como um guru, o seu chefe de equipe olha nos teus olhos e chama você para molhar os pneus. Nosso ritual é complexo. O motor está atrapalhadíssimo e a nossa marcha lenta não funciona abaixo dos 2500 RPM. Encantado e possuído pelo veneno, encostamos no acelerador e o motor não dá aquela subidinha de giro miserável. Neste momento, passa pela cabeça como será que iremos passar toda aquela potência para o solo sagrado. O conta giros salta, o corte é inevitável e faz o piloto do outro lado pensar mais ainda o porquê de estar ali ao seu lado. Você está se preparando para o combate. Mesmo assim, você é audaz ao ponto de ver o conta giros dando aquela beliscada nos 7000 RPM, somente durante o burnout. Você nem sonha com este giro? Isso não importa, pois nosso shift está além disso, pelo menos uns 2500 RPM pra frente. Aqui, pensamos também na faixa de torque: nada de muita velocidade nos pneus durante o burnout. Para eles pegarem a temperatura ideal, você deve ter sabedoria para o perfeito aquecimento. Nunca ouviu falar em burnout? Ele faz parte, seja bem vindo, mas tente ficar a vontade.
A fumaça tóxica de borracha misturada ao cheiro azedo e lacrimejante do metanol invade o cockpit do bólido. A marcha lenta não é mais a mesma causada pela enxurrada de combustível que faz uma enchente em nossa vida, enquanto conferimos a pressão de combustível. O alinhamento é a sua partida para a vida, as luzes do pré stage estão acesas. Não sabe o que é pré stage? Não importa se você não gosta de arrancada. Mas para nós importa muito e o Stage está aceso. E quando aquelas quatro luzes malditas acendem, por poucos segundos ninguém respira, ninguém pensa, mas todo mundo vive intensamente. O tempo de reação é o momento em que o seu cérebro pensa e os 60 pés, são importantes em nossas parciais. Somos os nossos próprios trecheiros e ficamos felizes quando cada metragem entrou melhor do que a puxada anterior. Não sabe o que é puxada? Então puxe o carro, se bem que acho que você deve estar chorando, fugindo deste cheiro. As parciais são números que fazem parte do esporte arrancada. Sinal de que todo o desenvolvimento, melhorias, investimentos e principalmente amor por este esporte fizeram diferença. O orgasmo é o pára-quedas. E quem andar na frente, ganha, assim como todas as corridas deste mundo. E se você não entendeu nada, seja feliz, pois nós aqui, entendemos tudo.
Viva o esporte arrancada. Eu ignoro os medíocres que não procuram entender a sua plenitude. Meu ganha pão, minha vida. Minha esposa, meu filho e meus amigos me entendem. E entendem as minhas lágrimas apenas de ouvir o tropicar do meu comando de válvulas.
Rodrigo Vieira

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